Pauline Amaral Antunes
É de conhecimento amplo dos profissionais de compliance que o pilar treinamento, um dos mais relevantes em um programa de compliance, é base estruturante para um trabalho eficiente na organização. Isso por que é a partir dele que daremos conhecimento aos colaboradores das normas presentes no Código de Ética da empresa, explicaremos sobre o Canal de Denúncias, abordaremos temáticas relacionadas a desvios éticos comportamentais, mencionaremos sobre o conteúdo das políticas internas e também trataremos sobre aspectos peculiares do nicho profissional ao qual pertença a empresa, como exemplo, o bancário e o da saúde.
Importante destacar que o treinamento faz parte da estratégia de longo prazo da empresa e visa incidir sobre a mudança da sua cultura para uma vertente baseada na ética e na integridade.
Sobre a importância do treinamento em Ética e Compliance (E&C training)[1]:
Um treinamento corporativo em E&C não se confunde com uma aula. Em uma aula, a expectativa geral é que haja uma forte carga de aprendizado novo, como ocorre em uma universidade; o treinamento corporativo, por sua vez, tem como escopo principal a consolidação de conhecimentos já internalizados ou o aprofundamento de temas já debatidos dentro da empresa. Por essa razão que, em inglês, utiliza-se muito a expressão facilitation, ou seja, o treinador é um facilitador de conteúdo, e não um transmissor em primeiro grau. E também não se utiliza o vocábulo curso ou aula: comumente, o termo sessão representa a praticidade buscada nos treinamentos de compliance.
Entretanto, para além das denominações das atividades, com apresentação de conceitos em estudos e revisão de artigos sobre a temática, é importante salientar sobre o conteúdo destes treinamentos. É muito importante que haja a real observação dos riscos a que determinada empresa está exposta para o desenvolvimento de um plano de treinamentos.
O mapeamento de riscos é pilar antecedente ao do treinamento em um programa de compliance, e deve servir de base para a criação e/ou atualização dos códigos e políticas internas na organização. A partir deste mapeamento, poderão ser encontrados diversos riscos e alguns terão prioridade de tratamento em detrimento de outros, seguindo a metodologia escolhida para análise. Por conseguinte, o plano de treinamento daquela empresa será desenvolvido de modo específico para ela, considerando o arsenal de normas produzidas internamente, os quais foram baseados anteriormente no mapeamento, e determinados riscos prioritários deverão ser tratados com maior ênfase.
Acontece que, na sequência do programa de compliance, diversas outras questões poderão aparecer nos canais de denúncias, que trarão luz a questões que pareciam estar sob controle, mas que merecerão especial atenção.
Como exemplo, o relatório produzido sobre canais de denúncias no mundo pela NAVEX (Regional Whistleblowing Hotline Benchmark Report), em 2022, apurou que a porcentagem mediana de categoria de alegação das empresas com maior quantidade no mundo é em relação a questões vinculadas com Recursos Humanos, diversidade, local de trabalho e respeito, o que abrange as questões de assédio. Portanto, sabemos que é importante que todas as empresas devam ser treinadas sobre esses assuntos.
Entretanto, imagine, como exemplo, que a sua empresa desempenha um trabalho em um determinado setor da economia que precisa de inúmeras unidades de atuação no país, e que em algumas dessas localidades houve desvio de ativos da empresa, como materiais de construção, e isto chega no canal de denúncias interno. Não se atentar para a necessidade de reforçar os treinamentos sobre questões ligadas à atividade (aliado a outras medidas) pode trazer prejuízo consubstancial para a empresa, com uma possível cadeia de potenciais outros problemas.
Pode-se verificar que, em termos gerais, estes casos de denúncias com alto índice de probabilidade de ocorrerem podem apresentar também um alto risco para a empresa, mas não devemos ignorar fatores específicos, que muitas vezes são trazidos ao conhecimento pelos próprios colaboradores da empresa. É nesta observação do cotidiano da organização que conseguiremos deixar os treinamentos moldados de forma a abranger as necessidades daquela organização, de modo individualizado, cobrindo as suas demandas. E é neste ponto que precisamos chegar: os treinamentos devem seguir o modelo da empresa, serem produzidos de modo artesanal e com olhar especialista, jamais reproduzindo indiscriminadamente planos de treinamentos realizados outrora para outras empresas.
Um plano de treinamento não é um trabalho feito e dado como encerrado. Muito menos deve feito de qualquer modo somente para cumprir um requisito no programa. Ele deve ser feito de modo crítico, por uma pessoa ou um grupo de pessoas habilitadas, e devem estar prontas para atualizá-lo sempre que necessário, tomando os rumos em direção ao objetivo da empresa, readequando a rota sempre que necessário.
É trabalhoso? Sim! Implica em um olhar apurado e atendo sobre o setor de mercado em que a empresa atua, sua cultura, a quais normas está exposta, qual a quantidade de colaboradores existentes e quem são estes. Porém, somente customizando a atividade que realmente poderemos prevenir que esses riscos se concretizem e, mesmo que ocorram, controles serão implementados para que sejam detectados, inclusive com o apoio dos colaboradores, que já estarão treinados sobre os assuntos.
Diante disso, somente com um plano de treinamento baseado em um mapeamento de riscos fundamentado em metodologia, feito de modo responsável, com análise crítica e apurada, a empresa realmente estará coberta pelo manto do verdadeiro compliance, e, com o tempo, terá a oportunidade de medir os resultados das medidas implementadas.
[1] CARVALHO, André C.; BERTOCCELLI, Rodrigo de P.; ALVIM, Tiago C.; AL, et. Manual de Compliance. Grupo GEN, 3ª Ed. 2021. E-book. ISBN 9786559640898. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559640898/. Acesso em: 07 jul. 2023.
